ontem morreu um homem bom. o homem que me mostrou onde quero chegar um dia. que me mostrou, sobretudo, como lá quero chegar. como quero ser. como quero actuar quando lá estiver. ontem morreu um homem bom. hoje, gente que ele tocou como poucos saberão tocar, acordou com a notícia. eu acordei com a notícia. que duro despertar... hoje acredito que, não sei onde, não sei em que forma, não sei sob que nome, mas, dizia, hoje acredito que o homem bom que ontem morreu sabe como nos faz falta. sabe que não me deixará. sabe que viverá um pouco em mim enquanto eu viver e perseguir o que ele me mostrou. até sempre...
jean michel basquiat, untitled (head) 1983
estabilidade
segurança
conforto
previsibilidade
risco
arrojo
sonho
ilusão
salvador dali, muchacha en la ventana
amoreiras, lisboa, sexta-feira, onze da noite
lá fora o mundo corre, à velocidade habitual. numa nova loja, jovens frenéticos trabalham para dar vida ao sonho. por baixo da varanda, carros parados no semáforo albergam cenas mundanas. dois jovens apertam um baseado enquanto esperam. uma mulher, com o semblante carregado, leva as mãos à cara enquanto o homem, preocupado, lhe acaricia suavemente um joelho. outro homem fuma de vidros cerrados. um casal discute. outro beija-se. o tempo corre, indiferente. o semáforo abre. novos carros dão guarida a novas cenas.
cá dentro a serenidade. a música suave. um livro. a tranquilidade. apesar de (excepcionalmente) só, sexta-feira à noite, é sexta-feira à noite. o final de uma esforçada semana de trabalho tem que ficar bem demarcado do início do curto lazer. confit de pato com batatas gratinadas. loios 2005. requeijão com doce de abóbora. um café quente para confortar o espírito.
lá fora o tempo continua a correr. o semáforo continua a abrir e a fechar. os carros continuam a parar e a fugir. debaixo da minha varanda vidas alheias continuam a acontecer. cá dentro a mesma música suave, o mesmo livro, a mesma serenidade e ainda o loios.
bom fim-de-semana.
há 55 anos atrás, a legislação francesa reconheceu a especificidade dos vinhos de beaujolais. esse momento marca a criação do beaujolais nouveau, um vinho novo que, por ser feito com recurso à maceração carbónica* das uvas pretas de carne branca da casta gamay, fica pronto para consumo logo no final do processo de vinificação. assim, este vinho, se só se pudesse vender a partir da mesma data que os demais (15 de dezembro em frança), ficaria um mês em armazém, com o produtor a perder receita e o vinho a perder frescura e sem ganhar nada em troca. o beaujolais tornou-se assim no primeiro vinho a sair para o mercado todos os anos no velho mundo (a europa). esse momento começou por ser assinalado com festividades locais, na zona de lyon, de onde o vinho procede e onde era tradicionalmente consumido. por volta de 1970 era já um evento incontornável a nível nacional. inteligentemente, os produtores da região entenderam o potencial do que tinham nas mãos e começaram a internacionalização. a meio da década de 80 o evento estava já internacionalizado e era uma festa em muitos dos grandes mercados mundiais (estados unidos, austrália, japão e em diversos países europeus). hoje o beaujolais nouveau day (a terceira quinta-feira de novembro) é um fenómeno globalizado, que gera autêntica loucura em muitos países (é já a maior celebração pagã do mundo) e que leva os produtores da região a uma autêntica loucura logística, porque têm que conseguir a partir da meia-noite da terceira quinta-feira de novembro pôr o seu vinho um pouco por todo o mundo para ser aberto ao lanche desse mesmo dia tanto em lyon, como no japão ou nos estados unidos. a recompensa? a ansiedade gerada pelo evento é tanta que leva a que só no primeiro dia, metade da produção anual seja vendida. e não estamos a falar de grandes vinhos... em portugal o fenómeno ainda é pouco conhecido, mas, para quem vive em lisboa, já é possível participar na partilha global. hoje, a partir das 19h n'os goliardos e das 21h no delidelux. eu vou lá provar.
* processo que consiste em não esmagar as uvas e deixá-las inteiras e intactas a fermentar, dentro de uma cuba cheia de gás carbónico, mantendo a acidez e reduzindo os taninos ao mínimo - faz vinhos frutados e cheios de vida, feitos para beber novos.
por motivos diversos, aqui e aqui bem explicados, a outra face da lua corre o risco de desaparecer... o projecto que em tempos habitou o espaço onde hoje é o bedroom, na rua do norte, coração comercial do bairro alto, que ajudou a criar, encontra-se hoje na baixa (a re-criar um espaço que deveria ser o mais vital dos espaços da nossa cidade?) e, em versão outlet, perto da sé. mas, como disse, corre o risco de vir a desaparecer, novamente pelo mesmo motivo que o fez sair do bairro: falta de financiamento para aquisição do espaço. na ausência de compreensão da anje e dos bancos, a marca decidiu, e bem, pegar o bicho pelos cornos e procurar a viabilização do projecto por meios próprios. para isso dedicou-se a fazer o que sabe: criou um conjunto de t-shirts que vende a 15€ com o objectivo de chegar às 50.000, de forma a assegurar a verba necessária à aquisição da loja da baixa. porque a causa é nobre, fica aqui a nossa solidariedade e apoio na divulgação da iniciativa.
da janela apenas sombra. prédios. cinzentas pinceladas de água. inevitáveis recordações adolescentes. tardes em que o tempo não corria e não se deixava matar. t-shirt preta, botas da tropa nos pés. na cabeça, o mundo inteiro. pensamentos em enxurrada: soturnos e imparáveis. no topo da falésia, sentado e abrigado. que melhor cenário para um bom dia de tormenta? chocolate quente. the jesus and mary chain nos ouvidos. olhos postos no horizonte. cinzento, molhado, imenso. mar e céu zangados, em fúria… hoje o dia está cinzento. mas tão diferente… sapatos civilizados, camisa aos quadrados. pensamentos? apenas os necessários. os que permitem responder às exigências do presente. hoje o tempo corre, rápido e sem clemência. sem que tenhamos que o ameaçar. hoje não me posso sentar no topo da falésia. não posso acender um cigarro e sentir a tempestade. não há tempo! nos ouvidos? a mesma música de ver a chuva… as mesmas guitarras e vozes de outrora.
hoje, n'os goliardos, a partir das 19h30 e até lá para a meia-noite e tal, vão estar à venda a copo os novos vinhos de miguel louro e do seu filho luís. o quinta do mouro, o topo de gama, é um dos alentejanos que mais me impressionou até hoje, quer pela qualidade, quer pela diferença face ao resto dos alentejanos. mas além deste, na versão 2002, vão estar disponíveis o alento (vinho de entrada, do filho luís) e o vinha do mouro (o intermédio), ambos na versão 2005. é uma grande oportunidade para provar um vinho que vale muito a pena. a 25€ a garrafa, eu, seguramente, não o bebo muitas vezes...
a vida, o passar dos anos, as mutações próprias da evolução de cada um, levam-nos a contactar muito menos do que gostaríamos com muitas pessoas que gostávamos que estivessem na nossa órbita para sempre. é assim, sempre foi e sempre será. por mais que existam novas formas de comunicar, sempre mais disponíveis, mais acessíveis, mais rápidas e mais eficientes, nenhuma delas se compara ao olhar cúmplice de dois amigos que se cruzam, à conversa banal num copo de final de tarde, à facilidade com que, sem planeamentos, nos encontramos com quem nos povoa o dia-a-dia para disfrutar de interesses comuns. esta ausência, esta distância, este desencontro, segue-nos e faz parte do nosso modo de vida. muitas vezes não está sequer relacionada com grandes distâncias ou barreiras físicas entre as pessoas, mas tão-somente com os ritmos de cada um. cada um tem a sua forma de encarar os factos. cada um tem maior ou menor dificuldade em lidar com isso. mas todos sentimos de alguma forma estas ausências. por muito tempo que tenha passado, por muito que se tenham alterado as vidas de todos nós e mesmo que passe mais uma série de tempo sem nos juntarmos todos outra vez, foi bom, este fim-de-semana de reencontros. é bom sentir que há algo intangível e indefinível que não se perde. há momentos que parecem mostrar que a força de certos elos é suficiente para que nem a erosão do tempo nem um certo abandono a que são votados, os consigam corroer totalmente. gostei de vos (re)ver.
dão 2005. álvaro castro. €7,50 n'os goliardos. por €10,50 abrem a garrafa e bebemos no local.
olhar: sendo conhecidas as minhas dificuldades com a compreensão dos vários tons do vinho, diria que este ronda o granada, mas posso estar redondamente enganado.
cheirar: é daqueles vinhos que apetece ficar a cheirar, atraídos pelos aromas silvestres, sobretudo de frutos pretos ou vermelhos mais fortes, como a cereja. é um aroma estruturado. não é apenas fruta aos saltos, como está na moda. tem o interesse que só alguma complexidade pode dar. mais do que normalmente encontramos em vinhos deste preço.
provar: ao beber, o que se nota logo é a frescura, a acidez, sobretudo quem está habituado a beber alentejanos, mais maduros e carregados, ou seja, a maior parte das pessoas. por trás dessa frescura e da fruta que já encontrámos no cheiro, estão outros sabores, menos vulgares. julgo que alguma especiaria, mas, infelizmente, não cheguei a qual.
sentir: este vinho acabou por ser o centro de um belo final de tarde. tomado no local, ponto de encontro de amigos, serviu para acabar a tarde a conversar sobre o início de um sonho chamado os goliardos e para nos divertirmos a observar a interacção da clara, a nossa sobrinha, espanhola, com pouco mais de um ano, com o fede, argentino e com mais 3 meses que ela. o fede, involuntariamente, mostrou-nos como pequenas coisas, podem significar grandes saltos para quem as vive. o simples facto de ele, recentemente, ter percebido onde está o seu centro de gravidade, permitiu-lhe ganhar uma tremenda autonomia e aumentar de tal forma as fronteiras do seu ainda pequeno mundo, que correr pelos corredores como uma bala se tornou o suficiente para lhe deixar permanentemente estampado na cara o sorriso triunfante da descoberta! este vinho, para mim, ficará indelevelmente associado ao sorriso do fede e ao olhar curioso da clara, que, de pé mas agarrada ao carro, parecia cada vez mais tentada a soltar-se e segui-lo.
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